AVIAÇÃO VIRTUAL: Decolando e executando SID
“Voando” num dos simuladores do F-18 que havia em Campos do Jordão.
Engraçado como a vida nos prega surpresas… Lembro-me de certa vez que minha mãe reclamava comigo sobre minha permanência em frente ao videogame (nesta época eu ainda não tinha computador mas voava em um jogo de PlayStation) por diversas horas: “Vamos, saia dai…Você não irá trabalhar no videogame”. Mas mamãe estava equivocada, pois os videogames e simuladores empregam muita gente. Hoje você também vai perceber como isso pode acontecer.
O bar temático Hangar F-18 que existia em Campos do Jordão.
Em 2009 (se não falha minha memória) eu estava navegando em um fórum e me deparei com a notícia:“Contratamos pilotos virtuais”. Não estava escrita desta forma, mas foi o que eu entendi. Imediatamente procurei o responsável pela postagem que foi feita no Orkut para ser instrutor de voo virtual e pedia que o candidato tivesse conhecimentos em combate aéreo, domínio de radar (dos americanos), que conhecesse os sistemas de armas em geral e que estivesse disposto a ir para Campos do Jordão passar a temporada. Imediatamente fiz minha carta de intenções e enviei meu Curriculum para o tal contratante, que me respondeu dizendo que gostaria de me entrevistar em Campos do Jordão. Cheguei à cidade e literalmente voei para o Hangar F-18, um bar temático que fora aberto pelos primos Darlan e Felipe, e de cara me apaixonei pelos simuladores. Eram (e ainda são) réplicas fiéis dos F-18 da U.S. Navy e então percebi o porquê eu precisaria dos conhecimentos adquiridos nos treinamentos virtuais e nas leituras diárias sobre a Aviação.
A primeira equipe de instrutores do Hangar F-18.
Fui contratado e recebi meu macacão de voo oficial com meu nome do lado esquerdo do peito como “instrutor de voo” e com diversas “bolachas” de esquadrões americanos e brasileiros, e comecei meu treinamento que foi extremamente rápido devido a já conhecer os equipamentos do caça e toda a dinâmica de voo. Comecei a trabalhar na mesma noite e para minha “alegria carioca” fez -4° neste dia, na ultra gelada Campos do Jordão… Lembra do macacão? Pois eu estava com 2 calças, 1 camisa, 2 casacos, e 3 meias abaixo do macacão, além de 2 luvas e uma touca ninja e ainda assim congelando. Para você ter ideia da ausência do calor, nós compramos um refrigerante de 2 litros no início da manhã e não o colocamos na geladeira durante o dia e a noite, e quando procurei o mesmo na hora do jantar ele estava ainda na temperatura ideal de uns 2 a 3 graus e tudo isso me fez refletir se valeria a pena trocar meu quente Rio de Janeiro pela fria Campos do Jordão… Foi então que lembrei de mamãe dizendo: “Você não irá trabalhar no videogame”. A partir daí criei uma coragem tal e disse pra mim mesmo: “Quer saber mamãe? Você estava errada”.
A bordo do simulador do F-18.
Não pense você que ser instrutor de voo virtual era fácil. Tínhamos um brifing de uns 10 minutos com os clientes (de vários tipos e idades, pilotos e civis normais) onde explicávamos os procedimentos aplicados durante o voo, e ao sentar o “aluno” no cockpit passávamos mais uns 5 minutos explicando como o avião se comportaria e, para nossa surpresa, quem dizia que era piloto na maioria da vezes tinha problemas com o simulador. Dizíamos: “Alvo a esquerda acima, curve para esquerda e puxe o manche para trás…” e não foram poucas as vezes que o aluno entrava em parafuso, e em contrapartida, quem nunca havia voado praticamente não precisava de auxílio dos instrutores para efetuar nada. Cansei de ver Oficiais de altíssima patente “explodir em voo” ou então no solo mesmo, sem conseguir decolar, inclusive pilotos do Brasil e de países vizinhos, como foi o caso de dois pilotos de caça da Força Aérea Chilena.
O simulador do F-18 reproduzia com fidelidade os comandos do caça norte americano.
Todavia foi gratificante ter sido instrutor de cadetes a generais do ar (a palavra é esta mesmo para não identificar que são da FAB) e de pessoas simples que amam a aviação ou que passaram a amar depois de voar conosco, tivemos algumas crianças voando também, e foi bem legal, era divertido ver os “dogfights” entre os clientes do Bar e claro a guerra interna dos instrutores que brigavam para provar que um ensinava melhor que o outro.
Felipe Coutinho, idealizador do simulador em Campos do Jordão.
Tivemos num dos dias de trabalho um Brigadeiro da FAB, Brigadeiro Behringer(atual comandante do MUSAL) que fez um dos pousos mais lindos que eu já vi. Neste dia eu queria muito ter sido seu instrutor virtual… Cercado por diversos pilotos, familiares e nós instrutores, ficamos com os olhos fixados nos procedimentos aplicados por esse ex-piloto de F-5, que vestia um casado que mais parecia o “Maverick” do filme “Top Gun” com emblemas de diversas unidades da FAB, entre elas do 1°/1° GavCa. Desde aplicar a potência nas manetes até arredondar para o pouso, foi só emoção. No final falei para outro instrutor: “Cara, ele vai estolar, ele vai cair…” Porém para surpresa geral e aplausos após os momentos de apreenssão, ele pousou suave e lembro daquela característica do caçador que ao tocar o solo mantém o nariz do avião levantado para que o arrasto ajude a freiar o avião.
Manequim com o traje completo de um piloto do Marinha dos EUA, dentro do bar temático.
Depois da experiência que tive no hangar F-18 vivi muitas outras no ramo aeronáutico que entraram pra minha história, entre elas quero destacar a que considero mais importante, que aconteceu em 2009, na reunião da aviação de caça na Base Aérea de Santa Cruz, Rio de Janeiro, onde conheci um Capitão Aviador que tinha me visto no Hangar F-18, e ele estava distribuindo panfletos e na sua frase ele dizia “Divulguem” e imediatamente eu fui divulgar minhas experiências no mundo virtual e então nos despedimos.
Os modelos 3D criados para um software da FAB.
Um dos melhores trabalhos feitos por mim foi essa aeronave.
Algum tempo depois recebi uma ligação da FAB onde uma Tenente Coronel me convidava para participar do desenvolvimento de um software de simulação de voo para os pilotos da FAB, de todas as “asas”. Recrutei então minha equipe e iniciamos a parte de modelagem 3D e texturização dos modelos do simulador. Anos depois fomos convidados a ir a São José dos Campos para receber um diploma pelo trabalho voluntário que fizemos (voluntário mesmo) e de lá trouxemos o diploma e um exemplar do Super Tucano que nos foi presenteado, além de uma insígnia do DCTAv que entrou para minha coleção.
A equipe de voluntários que trabalhou para a FAB e os presentes recebidos.
Infelizmente o Bar do Hangar de Campos do Jordão fechou… Pra sempre… O que nos resta agora é saudade que é minimizada pelas fotos. Da mesma forma o projeto PMA II da FAB, porém ainda estamos na expectativa de novos trabalhos em breve.
Concluindo o artigo de hoje quero reproduzir a frase de Francis Gary Power, que fala dos pilotos e me lembro do meu caso:
“…Quando crescem e têm a sorte de realizar seu sonho de criança, desfrutam plenamente do seu trabalho e sentem-se os homens mais sortudos do planeta… O piloto sabe que o melhor simulador de voo esta em si mesmo, em sua imaginação, em sua atitude, porque a mente do piloto esta sempre acessível a elementos novos e compreende que para voar é preciso acreditar no desconhecido… Este privilégio lhe permite escalar as prodigiosas montanhas do espaço, e alcançar dimensões no firmamento que outros mortais não alcançarão.”
A maioria de nós quando crianças sonharam com a aviação e ela se realiza através da vida real para alguns e do virtual para outros, porém todos conseguem sentir a realização ao saber que se algum dia for preciso pousar um avião de verdade, terão o conhecimento necessário para isso, por isso eu quero desafiar vocês a não desistir de seus sonhos. A aviação virtual pode contribuir para você alcançar seus objetivos, pois é fato que a grande maioria dos que voam no simulador antes de voar no real tem um diferencial a frente daqueles que nunca tocaram num avião virtual ou real. Além disso, diversas oportunidades podem surgir através da aviação virtual, assim como aconteceu comigo e com outros amigos que conheci no Hangar e em outros locais relacionados com a aviação.
Na próxima semana vamos falar sobre como ganhar dinheiro com a Aviação Virtual, onde falaremos das empresas que trabalham para tornar o MS Flight Simulator mais realista possível. Um grande abraço a todos.
Marco Antônio Ferreira dos Santos, é carioca, casado e pai de uma linda menina “que em 2035 será a primeira mulher a liderar a Esquadrilha da Fumaça“. Atualmente estuda para graduação de serviço social na UFRJ e é aluno de uma escola de aviação no Rio de Janeiro, possuindo prática de pilotagem em diversas aeronaves, incluindo o Citation Sovereign. Na área de aviação virtual desde 2004, possui mais de 4 mil horas de voo, além de 1.000 horas como controlador de trafego aéreo virtual. É administrador daForça Aérea Brasileira Virtual e coordena uma equipe de “oficiais” aviadores virtuais, além de ser instrutor da AFA virtual. Foi condecorado pelo Instituto de Estudos Avançados da FAB por um projeto de planejamento de missão aérea para os pilotos, conforme pode ser vistoaqui.
Nota do Autor: Dedicado a memória de Angelo Bottino Neto, que faleceu antes de receber seu reconhecimento por participar do PMA II
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